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Recadastramento de pensionistas deve respeitar a lei

 

“Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na Segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada” (No caminho de Maiakóvski, Eduardo A. Costa)

 

A legislação prevê que as pensionistas devem se submeter a um recadastramento anual junto ao Rioprevidência, oferecendo ai a chamada “prova de vida” para que o dinheiro público não se perca em fraudes, ou seja, que o pagamento da verba respectiva não se faça em nome daqueles que já morreram. O critério fiscalizatório adotado merece aplausos da população, posto que a ninguém bem formado interessa a dilapidação do Erário Público.

Recentemente, entretanto, o Rioprevidência resolveu exigir de suas pensionistas, adicionalmente àquela prova de vida, um termo em que a mesma se obriga a declarar se houve mudança em seu estado civil, se tem filhos, se vive em regime de união estável, tudo sob pena de incursão na prática criminosa definida no art. 299, do Código Penal, passível, em tese, de leva-las até mesmo à cadeia.

Essa perquirição adicional apresenta-se absolutamente ilegal, considerando que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei e, no caso, não há, na legislação vigente, autorização para que a Administração Pública, por melhores que sejam seus propósitos, cerceie o direito de a pensionista continuar recebendo o que lhe é devido pelo órgão previdenciário.

Estando vinculado pela Constituição Federal ao conhecido princípio da legalidade, os agentes do Governo, sejam eles de qualquer esfera de poder, nem mesmo o Presidente da República, pode atuar sem a estrita observância do indispensável processo legal.

Desde o momento em que nós brasileiros reconquistamos o Estado de Direito Democrático não há mais espaço para arrogâncias e arbitrariedades do governo como um todo.

No caso que se cuida, a autarquia previdenciária, no afã de apresentar apressados resultados financeiros, possivelmente inspirados em interesses politiqueiros, não se vexa de retirar ex abrupto, verba de caráter alimentar de pessoas muitas vezes idosas e desamparadas.

Não se deve perder de vista que as questionadas pensões foram admitidas mediante criterioso procedimento administrativo em que apurados, pelo próprio órgão previdenciário, os requisitos então exigíveis, inclusive e especialmente o estado civil de solteira das destinatárias do mencionado pensionamento. Essa situação já consolidou ao longo do tempo, tendo o Rioprevidência perdido a oportunidade que tinha para rever o ato concessivo respectivo, de sorte que não pode, sem o devido processo legal, desde logo, cassar o direito já consagrado em favor de seu beneficiário.

A lei é clara no sentido de que, decorridos cinco anos do ato administrativo de que os administrados sejam beneficiários, não mais se pode, salvo fraude anteriormente verificada, rever o que então ficou decidido.

Por aí também se percebe que o Rioprevidência, embora com propósitos nobres, acaba por transgredir princípios jurídicos básicos da própria cidadania.

Ademais, não custa refletir, na sociedade moderna ninguém ignora que o ambiente social vive incríveis mutações, não se podendo, a priori, concluir, por exemplo, que uma pessoa que namore duradouramente com outrem (homem ou mulher, anote-se), não significa que ela esteja debaixo de dependência econômica de seu parceiro, a ponto de se retirar daquela a verba alimentar que anos a fio vem recebendo.

Ainda que pudesse se tratar de uma união estável, conforme o modelo legal vigente no país, não cabalmente equiparada casamento, seria preciso maior indagação a respeito para que se avaliasse a eventual desnecessidade do sobredito pensionamento previdenciário.

Por outro lado, a exigência do tal termo de responsabilidade em má hora concebida, sobre a eventual existência de filhos das pensionistas solteiras, chega às raias do ridículo, bastando para isso indagar se o Poder Público pode prejudicar alguém pelo fato de manter relações sexuais com a consequência procriativa?!

Felizmente, ainda há Juízes em Berlin, e disso dão prova os seguintes julgados:

“Administrativo. Previdência estadual. Pensão por morte. Filha maior e solteira. Benefício deferido na vigência da Lei Estadual 285 de 1979. Autotutela da Administração que não pode ser exercida através de exigências sem amparo legal. Ilícita a declaração auto-incriminatória, como condição para que o benefício continue sendo pago. Incidência dos artigos 5º, inciso II, e 37, caput, da Constituição Federal. Perda da condição de pensionista limitada às hipóteses do artigo 18 da Lei Estadual 5260. Cabível o restabelecimento da pensão previdenciária estatal em antecipação de tutela. Súmula 729 do STF. Decisão que deu razoável interpretação aos fatos provados e à legislação vigente. Incidência da Súmula 59 deste Tribunal. Seguimento negado ao agravo de instrumento autárquico.” (0019777-15.2013.8.19.0000)

 

 “Direito Constitucional. Tutela antecipada. Recurso provido.

  1. Não é lícito à Administração exigir da pensionista que firme termo declarando se vive ou viveu em união estável ou se contraiu ou não núpcias, bem como se teve ou não filhos, tudo após a concessão da pensão, se a lei não impõe a lavratura de tal termo.
  2. Ademais, ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio.
  3. Veda a Carta Magna a autoincriminação.
  4. Agravo de Instrumento a que se dá provimento.”

(0045643-59.2012.8.19.0000)

 

Na esteira dessas decisões, é preciso que se dê um basta à tentativa de ingerência do Governo na vida das pessoas ou, em pouco tempo, conforme consta do frontispício, “arrancarão a nossa voz.”

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